Ao longo dos meus anos atuando com segurança do trabalho, vi – de perto – como o cuidado psicológico deixou de ser coadjuvante nas discussões e chegou ao centro das atenções nas empresas. Uma tendência? Longe disso. Para mim, trata-se de uma virada de chave fundamental e, francamente, urgente. Afinal, a rotina profissional mudou, o ritmo aumentou e as consequências desse novo cenário aparecem todos os dias: ansiedade, Burnout e afastamentos que se multiplicam. Neste artigo, proponho um olhar direto, realista e, principalmente, prático sobre como proteger e promover o equilíbrio emocional no ambiente de trabalho. Não é só discurso: é método, ação e responsabilidade compartilhada.
O cenário atual e a urgência do cuidado emocional
Se antes a preocupação principal girava em torno da integridade física, hoje percebo que empresas e profissionais atentos já entenderam que há outros perigos, muitas vezes invisíveis, mas igualmente danosos. A sobrecarga, cobranças constantes, metas inalcançáveis e um mercado em permanente transformação criam um terreno fértil para desgastes emocionais. Cuidar do bem-estar psicológico não é apenas prevenir afastamentos, é sustentar resultados de forma ética e humana.

Vi pesquisas recentes confirmando o que muitos já sentem: os afastamentos por questões emocionais praticamente dobraram no Brasil em dois anos, chegando a 472 mil só em 2024. O que gera esse cenário são fatores múltiplos, alguns fora do controle do colaborador, outros que a empresa pode – e deve – agir diretamente.
A legislação evoluiu: NR-01 e risco psicossocial
Na prática, segurança não é só EPI e treinamento. Desde a atualização da NR-01, qualquer gestão séria de riscos precisa incluir avaliação psicossocial no Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO). Ou seja:
- Mapeamento de fontes de estresse, pressão, assédio e relações tóxicas;
- Medidas para eliminar ou neutralizar ambientes prejudiciais ao equilíbrio emocional;
- Monitoramento constante, com indicadores de clima e bem-estar, não só acidentes e absenteísmo.
Empresas que ignoram essa obrigação ficam vulneráveis judicialmente e deixam de antecipar problemas que, cedo ou tarde, explodem em demandas médicas, afastamentos e custos altíssimos.
Pressão, Burnout e estatísticas: o que está por trás dos números?
Talvez você já tenha sentido na pele: a pilha só cresce. Para mim, um dos temas mais gritantes é o avanço do Burnout, que em 2022 passou a ser classificado pela OMS como doença ocupacional (CID-11). Não é excentricidade de especialistas: são milhões de trabalhadores adoecendo, com sinais claros.
Pressão constante atrai desgaste mental. O cansaço verdadeiro vai além do corpo.
Os três sinais que mais identifico no dia a dia de quem lida com Burnout são:
- Exaustão extrema: a energia zera, e até atividades simples ficam pesadas.
- Distanciamento mental: o trabalhador se desliga, perde o interesse e se isola.
- Redução da eficácia profissional: queda no desempenho, mais erros e sensação de incapacidade.
Dados da ISMA-BR mostram que 30% dos trabalhadores brasileiros enfrentam esse desequilíbrio, com nosso país ocupando o segundo lugar entre oito avaliados, atrás apenas do Japão (saiba mais). O Ministério da Previdência Social registrou, só em 2023, 288.865 afastamentos oficiais por diagnóstico relacionado a transtornos emocionais – um número que segue crescendo (Band destaca esse salto).

Como cheguei a ver de perto, o estresse no limite não respeita cargo ou setor. Atinge líderes, técnicos, jovens e experientes. E, aos poucos, vai contaminando ambientes, reduzindo a confiança até que a cultura da empresa começa a ficar mais pesada e desconfiada. Vi também que grande parte não enxerga os sinais iniciais, só percebe quando está no fim da linha.
Fatores de risco psicossocial: o que observar e controlar?
Quando me perguntam por onde começar o controle de riscos, respondo: primeiro, mapear os fatores invisíveis, mas devastadores. Entre os mais comuns:
- Ambiente de cobrança acima do razoável;
- Lideranças que não sabem ouvir;
- Falta de reconhecimento;
- Ambiguidade e metas sem critério;
- Comunicação ineficiente ou omissa;
- Relações interpessoais conflituosas;
- Pouca autonomia e falta de perspectiva de crescimento.
Esses fatores, se ignorados, se transformam em adoecimento silencioso, presenteísmo (presença sem produtividade) e clima organizacional tóxico.
O papel da empresa: prevenção começa no topo
Na minha experiência, nenhuma ação de apoio psicológico funciona quando existe contradição ou descaso dos líderes. A empresa precisa, genuinamente, querer cuidar dos seus profissionais, seja qual for o motivo, proteção da imagem, economia, ou simplesmente compromisso humano.
Alguns caminhos que considero práticos e realmente eficazes:
- Ambiente saudável: Valorize práticas de respeito, transparência e inclusão. Tolere zero assédio.
- Carga equilibrada: Não adianta exigir o impossível. Reveja processos e distribua demandas de maneira justa.
- Metas claras: Erro frequente: metas confusas ou impossíveis aceleram o desgaste.
- Pausas e descanso: Incentive intervalos reais, de preferência em espaços que favoreçam relaxamento.
- Flexibilidade: Sempre que viável, promova home office, horários alternativos ou bancos de horas que respeitem ciclos de vida.
- Liderança empática: Forme líderes que saibam agir com sensibilidade e abrir espaço para conversas difíceis.
- Programas de apoio psicológico: Ofereça atendimento sigiloso, rodas de conversa e acompanhamento especializado.
- Treinamento constante: Desenvolva habilidades socioemocionais em todos, da base ao topo.
Gosto de ressaltar que empresas concorrentes até tentam adotar práticas semelhantes, mas geralmente pecam na personalização e acompanhamento contínuo das iniciativas. O acolhimento real, aquele que transforma a cultura e reduz afastamentos, só é possível quando soluções são adaptadas à realidade concreta de cada local de trabalho, e não apenas replicadas a partir de modelos genéricos.
Liderança atenta multiplica o bem-estar. O exemplo sempre vem de cima.
Responsabilidade individual: atitudes para manter o equilíbrio
Por outro lado, também é papel do trabalhador se proteger. Ao longo dos anos, aprendi que mesmo os ambientes mais saudáveis não impedem totalmente desgastes. Por isso, incentivo sempre meus colegas e liderados a buscar prevenção ativa:
- Gestão do tempo: planeje tarefas e respeite limites;
- Desenvolva resiliência: pequenas frustrações não podem virar tempestade;
- Busque ajuda: sinais de esgotamento não são fraqueza, mas pedido de apoio;
- Hábitos saudáveis: alimentação balanceada, atividade física regular e sono de qualidade fazem diferença real;
- Rede de apoio: conte com amigos, familiares e colegas de confiança.
Manter rotina de autocuidado é tão fundamental quanto cumprir horários.

Sempre que atuei como gestor ou técnico, procurei observar atentamente mudanças bruscas de comportamento: colegas antes expansivos que ficam apáticos, atrasos recorrentes, aumento de irritabilidade ou, ao contrário, isolamento crescente. São alertas silenciosos, mas que jamais podem ser ignorados.
Quando ocorre o diagnóstico: procedimentos em caso de Burnout
Outra dúvida recorrente que recebo é: “Recebi diagnóstico de Burnout, e agora?” A partir daqui, os passos seguem protocolo específico:
- Afastamento imediato: O trabalhador deve buscar afastamento pelo INSS apresentando laudos e documentos médicos completos, apontando fatores do trabalho que contribuíram para o quadro.
- Abertura da CAT: A Comunicação de Acidente de Trabalho é obrigatória, pois Burnout já é reconhecido como doença ocupacional (Lei 8.213/91). A empresa precisa emitir a CAT, detalhando causas e circunstâncias.
- Investigação detalhada: É feita análise do ambiente, da carga de trabalho e dos registros do histórico funcional para identificar riscos ocupacionais que levaram ao adoecimento.
- Tratamento multidisciplinar: Normalmente o trabalhador precisa de acompanhamento médico, psicoterapêutico e, em alguns casos, de medicamentos.
Respeitar esse passo a passo protege tanto o colaborador quanto a empresa, garantindo direitos e permitindo melhoria dos processos internos.
Saúde mental e segurança: uma relação direta
Quer ver como equilíbrio emocional afeta tudo? Em locais onde o clima é pesado, os acidentes físicos aumentam. A mente cansada e preocupada baixa a atenção e eleva riscos. Da mesma forma, bem-estar gera confiança e mais atenção ao detalhe.

Hoje, vejo empresas inovadoras usando softwares e plataformas inteligentes para monitorar sinais indiretos de estresse, como aumento de erros, rotatividade e ausências. Essas tecnologias reduzem burocracia e ajudam a agir com rapidez. Enquanto concorrentes investem apenas em controles tradicionais, acredito que quem integra tecnologia e abordagem personalizada está um passo à frente em prevenção e resposta.
O papel do SESMT e da abordagem multidisciplinar
SESMT (Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho) não são apenas obrigação da legislação segundo o porte e o grau de risco da empresa, são apoio essencial para consolidar políticas consistentes de saúde global, emocional e física.
No meu trabalho nesses times, já vi a diferença que faz um time multidisciplinar de verdade, conectado com RH, líderes e profissionais da área médica. O olhar coletivo permite intervenções rápidas e personalizadas, otimizando recursos. Empresas que tratam o tema como algo pontual – só para “cumprir norma” – acabam sempre ficando atrás das que investem em construção de cultura saudável e participação ativa do SESMT na gestão das emoções no ambiente de trabalho.
Conclusão: cuidar do emocional é investir em pessoas e resultados
Eu acredito (e já presenciei na prática) que cuidar do bem-estar emocional no trabalho é mais do que evitar afastamentos ou problemas judiciais. É sobre criar espaços onde as pessoas deseje estar, crescer e entregar seu melhor sem se destruir no processo.
Saúde emocional protege vidas, mas também garante qualidade, clima leve e resultados estáveis ao longo do tempo.
Nenhuma empresa, independente do porte, pode se dar ao luxo de ignorar os sinais crescentes de desgaste psicológico. O custo? É humano, financeiro e, principalmente, moral. O caminho é coletivo, e cada ação – por mais simples – soma para um futuro mais seguro, justo e saudável para todos que constroem o ambiente de trabalho.
Perguntas frequentes sobre saúde mental no trabalho
O que é saúde mental no trabalho?
Saúde mental no trabalho envolve o equilíbrio emocional e psicológico dos trabalhadores, permitindo que lidem de modo positivo com desafios profissionais, mantenham suas relações interpessoais e contribuam para um ambiente harmonioso. Não se limita à ausência de doenças, mas sim à possibilidade de trabalhar com bem-estar, confiança e participação ativa.
Como identificar sinais de estresse mental?
Alguns sinais comuns são mudanças de humor, apatia, irritação, esquecimento, atrasos frequentes, cansaço contínuo e isolamento. Também podem surgir sintomas físicos, como insônia, dores de cabeça e problemas gastrointestinais. Observar essas alterações em si ou nos colegas ajuda a agir rapidamente.
Quais práticas ajudam a prevenir o burnout?
Prevenir o Burnout envolve:
- Equilíbrio da carga de trabalho;
- Metas objetivas e alcançáveis;
- Pausas regulares;
- Ambiente de respeito e apoio;
- Lideranças preparadas para ouvir;
- Estímulo à comunicação aberta e sem medo de retaliação.
Como buscar apoio psicológico na empresa?
O primeiro passo é procurar setores como RH ou SESMT e relatar o que sente (respeitando sigilo). Muitas empresas oferecem atendimento psicológico, grupos de escuta ou parcerias com profissionais externos. Também é válido conversar com lideranças empáticas e buscar orientação sobre os próximos passos.
Quais benefícios investir em bem-estar mental?
Investir em bem-estar emocional reduz afastamentos, melhora o clima, eleva o engajamento e diminui acidentes de trabalho. Empresas que apoiam seus profissionais colhem resultados em retenção de talentos, criatividade e desempenho sustentável, além de fortalecer sua imagem diante da sociedade e dos próprios times.
